Como vão as coisas? Faz frio aqui no outro hemisfério do
mundo, o céu vem atingindo um tom acinzentado que se intensifica a cada nascer
do sol. É tudo tão diferente John... Uma
atmosfera de mistério constante, como se as folhas secas que o vento traz demorassem mais para atingir o chão, elas dançam pacientemente em movimentos
circulares e estão por toda parte. Eu que sempre apreciei a estação mais fria
do ano, tenho sentido falta dos invernos amenos aí do trópico sul.
Dia desses
conheci o Glacier Park e me lembrei de você. Não pense que foi fácil passar isso
pro papel, não está sendo fácil escolher as palavras certas e desembaralhar esse
emaranhado de sentimentos aqui dentro de mim. O fato é que o lago belíssimo e
cruelmente congelante do parque me despertou uma saudade tremenda das águas
termais que visitávamos no interior da nossa cidade. Uma coisa leva à outra, e
bem... Você ainda se lembra, não é mesmo? Não ignore as lembranças que lhe
vieram à tona, John, não dessa vez. Os tempos são outros, eu bem sei, mas tenho
certeza de que ainda podes sentir o aroma doce daquelas tardes de março que passávamos
juntos, e se tivesse de relatá-las lembraria dos detalhes assim como eu.
Não
joguei fora o pingente tribal que você me deu há muitos verões atrás, ele
continua guardado no meu cemitério particular, dentro da última gaveta da
escrivaninha, assim como nossas fotos e todo o resto. Maldito pingente John, aquele
pequeno artefato de madeira que me lembrava de sua crença convicta num hippie-espiritual
maluco, de seu amor pelas ondas que eu tanto temia. Vez ou outra te perdia de vista
sentada na areia da praia, meu corpo paralisado à margem do Atlântico, meu
coração junto com o seu, à deriva, em alto mar. Quando seus pés tornavam à superfície,
ai de mim, te amava ainda mais.
Que saudades das nossas ligações intermináveis
durante a noite. Você nunca foi de muitas palavras e é por isso que eu acreditava numa sintonia surreal entre
a gente. Quanto àqueles hambúrgueres horrorosos? Ah John, você é pior
cozinheiro de todos os tempos! O que importa? Eu não trocaria uma rodada de hambúrgueres
torrados com você por qualquer manjar dos deuses. Sinto falta até mesmo dos
contratempos, que estão gravados aí dentro de ti, cada angústia que me escorreu
pelos olhos por motivos fúteis, descartáveis. Os corpos que me tocaram depois que rompemos
nossos laços, traziam consigo um pouquinho de ti, um gesto teu ou até mesmo tua
ausência. Experimentei outros abraços, outros sabores, visitei lugares maravilhosos
pelos quais não estive contigo, senti arrepios na pele e gargalhei na companhia
de um outro alguém especial. A vida deve seguir, não é isso que nos ensinam?
Pois bem, não
vou omitir os fatos. A verdade é que aqui, com um trópico inteiro de distância, concluo que é você. Você sempre foi e continuará sendo o meu clímax, o auge dessa
minha trajetória incerta. Única e exclusivamente você consegue me levar aos
extremos de sentir, com esse seu jeitinho havaiano de ver as coisas. John, o tempo tem poder de curar todos os absurdos imperdoáveis do passado. Saiba que em
qualquer canto desse mundo, por mais clichê que pareça ser, você é o único que pode quebrar meu coração um milhão
de vezes, e um milhão de vezes tê-lo de volta.