quarta-feira, 23 de outubro de 2013

John,


Como vão as coisas? Faz frio aqui no outro hemisfério do mundo, o céu vem atingindo um tom acinzentado que se intensifica a cada nascer do sol. É tudo tão diferente John...  Uma atmosfera de mistério constante, como se as folhas secas que o vento traz demorassem mais para atingir o chão, elas dançam pacientemente em movimentos circulares e estão por toda parte. Eu que sempre apreciei a estação mais fria do ano, tenho sentido falta dos invernos amenos aí do trópico sul. 

Dia desses conheci o Glacier Park e me lembrei de você. Não pense que foi fácil passar isso pro papel, não está sendo fácil escolher as palavras certas e desembaralhar esse emaranhado de sentimentos aqui dentro de mim. O fato é que o lago belíssimo e cruelmente congelante do parque me despertou uma saudade tremenda das águas termais que visitávamos no interior da nossa cidade. Uma coisa leva à outra, e bem... Você ainda se lembra, não é mesmo? Não ignore as lembranças que lhe vieram à tona, John, não dessa vez. Os tempos são outros, eu bem sei, mas tenho certeza de que ainda podes sentir o aroma doce daquelas tardes de março que passávamos juntos, e se tivesse de relatá-las lembraria dos detalhes assim como eu. 

Não joguei fora o pingente tribal que você me deu há muitos verões atrás, ele continua guardado no meu cemitério particular, dentro da última gaveta da escrivaninha, assim como nossas fotos e todo o resto. Maldito pingente John, aquele pequeno artefato de madeira que me lembrava de sua crença convicta num hippie-espiritual maluco, de seu amor pelas ondas que eu tanto temia. Vez ou outra te perdia de vista sentada na areia da praia, meu corpo paralisado à margem do Atlântico, meu coração junto com o seu, à deriva, em alto mar. Quando seus pés tornavam à superfície, ai de mim, te amava ainda mais. 

Que saudades das nossas ligações intermináveis durante a noite. Você nunca foi de muitas palavras e é por isso  que eu acreditava numa sintonia surreal entre a gente. Quanto àqueles hambúrgueres horrorosos? Ah John, você é pior cozinheiro de todos os tempos! O que importa? Eu não trocaria uma rodada de hambúrgueres torrados com você por qualquer manjar dos deuses. Sinto falta até mesmo dos contratempos, que estão gravados aí dentro de ti, cada angústia que me escorreu pelos olhos por motivos fúteis, descartáveis.  Os corpos que me tocaram depois que rompemos nossos laços, traziam consigo um pouquinho de ti, um gesto teu ou até mesmo tua ausência. Experimentei outros abraços, outros sabores, visitei lugares maravilhosos pelos quais não estive contigo, senti arrepios na pele e gargalhei na companhia de um outro alguém especial. A vida deve seguir, não é isso que nos ensinam?

Pois bem, não vou omitir os fatos. A verdade é que aqui, com um trópico inteiro de distância, concluo que é você. Você sempre foi e continuará sendo o meu clímax, o auge dessa minha trajetória incerta. Única e exclusivamente você consegue me levar aos extremos de sentir, com esse seu jeitinho havaiano de ver as coisas. John, o tempo tem poder de curar todos os absurdos imperdoáveis do passado. Saiba que em qualquer canto desse mundo, por mais clichê que pareça ser, você é o único que pode quebrar meu coração um milhão de vezes, e um milhão de vezes tê-lo de volta.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Amor cometa, amor estrela



As pessoas são como o espaço em sua infinita complexidade: inatingíveis, surgem sem pedir licença, escondem mistérios que vão além da racionalidade de quem as observa – sem a ciência do mundo de sonhos e sentimentos que as preenchem.  A magia metafórica que existe entre esse chão que tocamos e o espaço que nos cerca, sempre me fez refletir sobre as insignificâncias da vida, tão frágil e tão curta. Em meio aos devaneios insistentes, um vem tomando meus pensamentos: a semelhança entre astros e amores. Existiriam motivos óbvios por trás de meras coincidências?

Há amores que são como os cometas: lembrados por suas datas e se duvidar, com precisão de horas, minutos e segundos. São anunciados, aguardados, prestigiados por quem os contempla, tiram longos suspiros e também lágrimas pesadas. Intensos, arrebatadores, te levam aos extremos de entregar-se sem consentir, mudar sem pestanejar e amar sem medir-se, pois aos olhos apaixonados o cometa é privilégio concedido, visita bela que tem de ser vivida, sentida e saboreada. Amores cometas são, no entanto, passageiros: duram minutos de magia e escondem-se por eras, fogem do alcance da vista sem hora marcada, sem cerimônias ou despedidas fervorosas. Resta-nos a certeza de que tantos outros virão.

Mas quando um cometa te fizer perder as estribeiras, só um amor estrela preencherá o vazio deixado. As estrelas estão sempre ali independente do fim das estações ou da translação completa da Terra. Pairam imóveis no céu negro ainda que o dia tenha sido conturbado ou a noite encoberta. Estrela não tem pressa de partir, está sempre à espreita, calada e paciente enquanto demoramos a notá-la. Aquece nosso corpo sem nada pedir em troca, tem a inteligência de uma vida milenar e cumplicidade infinita com quem aprende a amá-la.

Numa dessas longas noites de angústia, experimente assistir ao céu estrelado – show particular de luzes e magnitudes diretamente do quintal da sua casa. Talvez, apenas talvez, seu amor possa estar perdido em meio a uma imensidão de astros. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Nostalgia


Os devaneios de sábado à noite levaram-me a conclusão de que sou preenchida por saudade – diretamente do vigésimo sétimo andar de um arranha-céu na cidade das luzes –, sou preenchida por saudade e algumas expectativas frustradas de ser feliz. Não me entenda mal, não gosto de extremismos e bem sei que a infelicidade é quase inatingível pros meus vinte poucos anos. De fato sou feliz com meus dois gatos persas, minha estante de livros e minhas doses matinais de cafeína, diria até que posso tocar as estrelas daqui de cima, mas você sabe que elas não me bastam.

Quero voltar praquela cidade, sentir meus pés tocarem aquele chão. Quero voltar pro aconchego do interior e pros rostos que há tanto não toco, não sinto, não vejo. Quero respirar ares tropicais por entre vielas que me levam a lugar nenhum, sentar num banco familiar meia noite à luz da lua e jogar conversa fora no balcão daquele bar. Quero apreciar a arquitetura clássica da casa que me viu crescer, sentir os braços de quem muito me amou, comer o bolo da minha avó: sabor infância com cobertura de chocolate, que só aquelas mãos sabiam fazer.

Quero sentar no telhado da tua casa e falar sobre futilidades descartáveis, ouvir o timbre suave da tua voz, o som do teu violão que me canta palavras sinceras. Quero me perder nas entrelinhas dos teus versos e cantar o refrão mais bonito da tua canção mais nova. Quando o som das cordas cessarem quero sentir seus dedos passearem pelos meus cabelos claros, sentir o cheiro do teu perfume e olhar nos teus olhos azuis, esses pedacinhos de céu que um dia me viram partir.

Quão lindo seria reviver o palpitar acelerado do meu coração. Mas enquanto não temos a peripécia de inventar uma máquina do tempo, que o mesmo me perdoe caso seja inoportuno, se parecer loucura ou utopia, que me perdoe por querer voltar. É que talvez as lembranças sejam mais bonitas da janela do vigésimo sétimo andar.



Novidade e agradecimentos




Oi gente! Sem muita cerimônia, vim deixar um recado pra quem está acompanhando o blog. Quero agradecer as visitas que estão aumentando e os leitores que deixam recados carinhosos e de grande incentivo nos meus textos, tem sido muito satisfatório. Quero informar aos interessados, que a partir de agora estou escrevendo também para o Free Diamonds, blog lindíssimo de uma grande amiga minha. Que tal dar uma passadinha lá? Obrigada mais uma vez, beijão!

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Ela



Quem a vê tropeçando aos montes por aí afora, não desconfia que ela seja dona das palavras mais bonitas, ou que tenha os lábios mais doces que os lábios de outrem já ousaram tocar. Eu sei que o amor é injusto e que os tempos são outros, que as pessoas mudam, renascem, transformam-se e deixam um mar de lembranças para trás, mas a vida é um pulo e eu daria o mundo para tê-la de volta.

Eu não a amei por comodismo tampouco pelo charme de seus cabelos laranja, eu a amei com tamanha espontaneidade a ponto de duvidar da sensatez de minha mente e coração. Perdi o ponto de equilíbrio, deixei escapar as racionalidade estapafúrdias que me desprendiam de um amor sincero e utópico, preenchi meu ser com as reciprocidades de um sentimento puro e me vi escravo da presença dela. Metabolicamente dependente das batidas de um outro coração.

Suas madeixas ruivas me encantaram, confesso, mas meu amor estava no jeito como seus olhos se estreitavam quando sorria, no espaço discreto entre seus dentes incisivos e nas pernas compridas que inclinavam-se para trás quando relaxavam. Ela tinha o hábito de fazer caretas esquisitas quando se perdia em pensamentos, ainda assim seu rosto era doce e de feições angelicais. Eu admirava seu carinho pelos animais e a maneira como expunha opiniões sem medo. Adorava sua postura, o jeito como movia as mãos, sua cara fechada quando o time preferido perdia mais um jogo, o sotaque sulista ao chamar meu nome e as gargalhadas intermináveis, mesmo depois da meia noite. 

Ela era inverno e verão, espirituosa, introspectiva, menina, mulher, tempestade e calmaria. Uma contradição por si só, contudo um mar de transparência. Quem me dera, por uma fração de segundos sequer, poder mergulhar de novo em suas águas cristalinas e sentir meu corpo leigo deixar-se dominar pela imensidão azul de seu espírito. Quem a vê tropeçando aos montes por aí afora, não desconfia que do outro lado da cidade, alguém daria o mundo para tê-la de volta.  

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Num desses encontros casuais


Antes de você as manhãs rotineiras de segunda eram frias e cinzas, o cobertor de lã aninhava-se perfeitamente em meu corpo e me pedia pra ficar só mais cinco minutinhos. Os míseros cinco minutos eram um piscar de olhos sem você, amor. Botar meus pés sensíveis no assoalho gelado era torturante só de pensar e eu acabava por perder o horário nas lutas diárias contra os ponteiros apressados do despertador. 

O caminho da portaria à estação de trem era tão automático, desgastante.  Os mesmos rostos dizendo bom dia, a mesma brisa gelada da cidade tocando minhas bochechas, o mesmo mau humor estampado nas faces de quem, assim como eu, tinha ciência da papelada que enfrentaria nas próximas oito horas. Eu conhecia os milimétricos centímetros daquele trajeto. O porteiro simpático que mantinha um caso com a moradora do 201; a senhora do prédio ao lado que se sentava todos os dias no banco do condomínio, para observar o movimento exacerbado das ruas; a cafeteria lotada de engravatados com seus jornais; o barulho dos passos no asfalto e os carros apressados nas avenidas. 

Em uma dessas esquinas tumultuadas eu te encontrei, com os óculos quadrados e a bicicleta azul-escuro, presente de seu avô. Você tentava desviar dos pedestres distraídos, que assim como eu, não respeitavam o limite entre a passarela e a ciclovia. Minha pasta foi ao chão deixando escapar fichas e relatórios importantes, você me ajudou a recolhê-los um por um com uma paciência admirável, não hesitou em abrir um sorriso lindo que deixava à mostra o charme das suas covinhas. Ora, quem mais nessa cidade abriria um sorriso sincero daqueles em plena segunda-feira, a fria e rotineira manhã de segunda-feira, se não você? 

Quando nos esbarramos naquela esquina, amor, você bagunçou não apenas fichas e relatórios, mas também a vida dessa jovem metódica e perfeccionista, que não sabia sair da linha, não sabia deixar-se sentir, não sabia organizar sua pasta sem que os papeis estivessem perfeitamente enumerados em ordem alfabética.  Depois de você, as manhãs de segunda-feira tem mais vida, o cobertor de lã cobre nossos corpos enroscados que se aquecem com mais facilidade. O trajeto até a estação de trem é mais bonito na garupa da sua bicicleta, amor.  Nós desviamos dos pedestres distraídos, e rimos dos rostos mal humorados que seguem  seus caminhos no piloto-automático. Espero que dia desses, num desses encontros casuais da vida, eles esbarrem em alguém que também desorganize suas pastas. 

terça-feira, 9 de julho de 2013

Resenha: Por isso a gente acabou



Por Isso A Gente Acabou
Autor: Daniel Handler
Editora: Cia. Das Letras
362 páginas.
Classificação: 


Resenha:
Sob os olhos adolescentes de Min Green, a história que traz o livro “Por isso a gente acabou” nos é contada de uma perspectiva nada convencional – considerando-se a maioria significativa de livros destinados ao público jovem.  O título do livro faz com o que o “desenrolar” do romance deixe de ser uma surpresa. Frustrada com o termino, Min escreve uma carta para seu ex-namorado no trajeto até a casa dele, contendo nada mais nada menos, que as 362 páginas totais do livro. Cada capítulo é marcado por um objeto que será entregue ao mesmo dentro de uma caixa, e que nos apresenta a uma nova história vivida pelo casal: um ingresso de cinema, um bilhete, um pente de motel... Conta assim, o curto e intenso relacionamento de Min e Ed Slatertoon, estrela do time de Basquete da escola.

Escrito por Daniel Handler, a história não foge dos padrões norte-americanos de romance juvenil. Min é reservada e aficionada por filmes, Ed é popular e aficionado por esporte. Com personalidades opostas e alguns desencontros, o casal mantém um relacionamento atípico e prazeroso de se ler, que nas situações corriqueiras do dia-a-dia nos faz entrar nas personagens e nos prende à história de uma separação, com um misto de fervor e melancolia.

Ao folhear o livro antes de comprá-lo, as ilustrações do mesmo prenderam minha atenção. Ainda que eu não tenha o hábito de ler romances ilustrados – por acreditar que limitam nossa criatividade ao imaginar as cenas contadas – a arte de Maira Kalman nas mudanças de capítulo, é complemento indispensável para o livro. Durante a leitura, as imagens dão vida às emoções que a narração nos permite sentir. 

O livro está na lista dos meus preferidos. Aos apreciadores de romances juvenis, aprovo e recomendo a livro, de escrita informal, descontraída e  ilustrações lindas. E àqueles que evitam livros ultrapassando as cem páginas, uma dica: o tempo é curto quando a leitura é agradável. 

Trecho preferido:

“Eu acabaria com qualquer dia, todos os dias, por essas longas noites com você, e foi o que fiz. Mas é por isso que já estava condenado, bem ali. A gente não podia ter só as noites de magia zumbindo pelos fios. A gente tinha que ter os dias, também, os belos e impacientes dias que estragavam tudo com os cronogramas inevitáveis, os horários obrigatórios que não se cruzavam, os amigos leais que não se gostavam, os absurdos imperdoáveis rasgados da parede independentemente das promessas feitas depois da meia-noite, e foi por isso que a gente acabou."