sábado, 29 de junho de 2013

Reflexo


Cansada e com sono caminhava por uma rua deserta – como todas as outras naquele fim de mundo – em busca de abrigo. Era noite de lua cheia e ela rondava as ruas da cidade com passos firmes e olhos atentos, quando de repente viu algo se movimentar bem a sua direita, apressou-se, mas como que instintivamente, recuou alguns passos para ver do que se tratava. Assustou-se ao se aproximar e perceber que se tratava dela mesma, refletida num espelho velho e desgastado; seu reflexo definitivamente não lhe trazia boas lembranças.
Endireitou-se. Um espelho grande – pensou – com uma bela moldura de madeira, esculpida e pintada de branco. Mas que diabos estava fazendo ali, jogado num canto qualquer? Por tanto tempo tentara evitar seu próprio reflexo, mas agora era tarde, algo ali a chamava e pouco a pouco ela se aproximou, até que seus dedos tocaram a superfície gelada e úmida do espelho e logo em seguida, recuaram.
Agora estava cara a cara consigo mesma e isso lhe causava náuseas, uma agonia intrigante. Sua imagem não era lhe era nem um pouco agradável e por trás daquele semblante de durona ela desabava ao observar os milimétricos detalhes de seu corpo: pés descalços, unhas a fazer, longos cabelos negros embaraçados e jogados ao vento, olheiras profundas e olhos azuis que há tempos deixaram de brilhar.
O que teria acontecido com a menina inocente e sonhadora de anos atrás? Estaria perdida em algum lugar de seu passado, prestes a despertar de um de seus pesadelos frequentes? Não se lembrava ao certo do momento em que fizera as malas e abandonara a vida que até então vinha construindo. Fugiu de casa, levando na mala algumas mudas de roupa e uma vontade gritante de ser livre.
“Maldito o dia” – sussurrou.
Agora ela se via diante do espelho, triste com o que havia se tornado. Não conseguia suportar seu reflexo, não mais, e em um breve instante de fúria, se viu quebrando o espelho com suas próprias mãos. Centenas de rachaduras se formaram a sua frente e alguns cacos caíram no chão, no silêncio da madrugada o barulho mais pareceu um estrondo. Olhou para sua mão já ensanguentada e ao erguer a cabeça espantou-se: o espelho rachado dividia-se em pequenos quadrados e ela se enxergava em cada um destes.
Como se já não bastasse, mil olhos passaram a observá-la e repletos de lágrimas se perdiam em meio ao breu da noite.

Perdiam-se em seu próprio reflexo. 

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