Cansada e com
sono caminhava por uma rua deserta – como todas as outras naquele fim de mundo
– em busca de abrigo. Era noite de lua cheia e ela rondava as ruas da cidade
com passos firmes e olhos atentos, quando de repente viu algo se movimentar bem
a sua direita, apressou-se, mas como que instintivamente, recuou alguns passos
para ver do que se tratava. Assustou-se ao se aproximar e perceber que se
tratava dela mesma, refletida num espelho velho e desgastado; seu reflexo
definitivamente não lhe trazia boas lembranças.
Endireitou-se.
Um espelho grande – pensou – com uma bela moldura de madeira, esculpida e pintada de branco. Mas que diabos estava
fazendo ali, jogado num canto qualquer? Por tanto tempo tentara evitar seu
próprio reflexo, mas agora era tarde, algo ali a chamava e pouco a pouco ela se
aproximou, até que seus dedos tocaram a superfície gelada e úmida do espelho e
logo em seguida, recuaram.
Agora estava
cara a cara consigo mesma e isso lhe causava náuseas, uma agonia intrigante. Sua
imagem não era lhe era nem um pouco agradável e por trás daquele semblante de
durona ela desabava ao observar os milimétricos detalhes de seu corpo: pés
descalços, unhas a fazer, longos cabelos negros embaraçados e jogados ao vento,
olheiras profundas e olhos azuis que há tempos deixaram de brilhar.
O que teria
acontecido com a menina inocente e sonhadora de anos atrás? Estaria perdida
em algum lugar de seu passado, prestes a despertar de um de seus pesadelos
frequentes? Não se lembrava ao certo do momento em que fizera as malas e
abandonara a vida que até então vinha construindo. Fugiu de casa, levando na
mala algumas mudas de roupa e uma vontade gritante de ser livre.
“Maldito o
dia” – sussurrou.
Agora ela se
via diante do espelho, triste com o que havia se tornado. Não conseguia
suportar seu reflexo, não mais, e em um breve instante de fúria, se viu
quebrando o espelho com suas próprias mãos. Centenas de rachaduras se formaram
a sua frente e alguns cacos caíram no chão, no silêncio da madrugada o barulho
mais pareceu um estrondo. Olhou para sua mão já ensanguentada e ao erguer a
cabeça espantou-se: o espelho rachado dividia-se em pequenos quadrados e ela se
enxergava em cada um destes.
Como se já não
bastasse, mil olhos passaram a observá-la e repletos de lágrimas se perdiam em
meio ao breu da noite.
Perdiam-se em
seu próprio reflexo.
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