quinta-feira, 25 de julho de 2013

Num desses encontros casuais


Antes de você as manhãs rotineiras de segunda eram frias e cinzas, o cobertor de lã aninhava-se perfeitamente em meu corpo e me pedia pra ficar só mais cinco minutinhos. Os míseros cinco minutos eram um piscar de olhos sem você, amor. Botar meus pés sensíveis no assoalho gelado era torturante só de pensar e eu acabava por perder o horário nas lutas diárias contra os ponteiros apressados do despertador. 

O caminho da portaria à estação de trem era tão automático, desgastante.  Os mesmos rostos dizendo bom dia, a mesma brisa gelada da cidade tocando minhas bochechas, o mesmo mau humor estampado nas faces de quem, assim como eu, tinha ciência da papelada que enfrentaria nas próximas oito horas. Eu conhecia os milimétricos centímetros daquele trajeto. O porteiro simpático que mantinha um caso com a moradora do 201; a senhora do prédio ao lado que se sentava todos os dias no banco do condomínio, para observar o movimento exacerbado das ruas; a cafeteria lotada de engravatados com seus jornais; o barulho dos passos no asfalto e os carros apressados nas avenidas. 

Em uma dessas esquinas tumultuadas eu te encontrei, com os óculos quadrados e a bicicleta azul-escuro, presente de seu avô. Você tentava desviar dos pedestres distraídos, que assim como eu, não respeitavam o limite entre a passarela e a ciclovia. Minha pasta foi ao chão deixando escapar fichas e relatórios importantes, você me ajudou a recolhê-los um por um com uma paciência admirável, não hesitou em abrir um sorriso lindo que deixava à mostra o charme das suas covinhas. Ora, quem mais nessa cidade abriria um sorriso sincero daqueles em plena segunda-feira, a fria e rotineira manhã de segunda-feira, se não você? 

Quando nos esbarramos naquela esquina, amor, você bagunçou não apenas fichas e relatórios, mas também a vida dessa jovem metódica e perfeccionista, que não sabia sair da linha, não sabia deixar-se sentir, não sabia organizar sua pasta sem que os papeis estivessem perfeitamente enumerados em ordem alfabética.  Depois de você, as manhãs de segunda-feira tem mais vida, o cobertor de lã cobre nossos corpos enroscados que se aquecem com mais facilidade. O trajeto até a estação de trem é mais bonito na garupa da sua bicicleta, amor.  Nós desviamos dos pedestres distraídos, e rimos dos rostos mal humorados que seguem  seus caminhos no piloto-automático. Espero que dia desses, num desses encontros casuais da vida, eles esbarrem em alguém que também desorganize suas pastas. 

terça-feira, 9 de julho de 2013

Resenha: Por isso a gente acabou



Por Isso A Gente Acabou
Autor: Daniel Handler
Editora: Cia. Das Letras
362 páginas.
Classificação: 


Resenha:
Sob os olhos adolescentes de Min Green, a história que traz o livro “Por isso a gente acabou” nos é contada de uma perspectiva nada convencional – considerando-se a maioria significativa de livros destinados ao público jovem.  O título do livro faz com o que o “desenrolar” do romance deixe de ser uma surpresa. Frustrada com o termino, Min escreve uma carta para seu ex-namorado no trajeto até a casa dele, contendo nada mais nada menos, que as 362 páginas totais do livro. Cada capítulo é marcado por um objeto que será entregue ao mesmo dentro de uma caixa, e que nos apresenta a uma nova história vivida pelo casal: um ingresso de cinema, um bilhete, um pente de motel... Conta assim, o curto e intenso relacionamento de Min e Ed Slatertoon, estrela do time de Basquete da escola.

Escrito por Daniel Handler, a história não foge dos padrões norte-americanos de romance juvenil. Min é reservada e aficionada por filmes, Ed é popular e aficionado por esporte. Com personalidades opostas e alguns desencontros, o casal mantém um relacionamento atípico e prazeroso de se ler, que nas situações corriqueiras do dia-a-dia nos faz entrar nas personagens e nos prende à história de uma separação, com um misto de fervor e melancolia.

Ao folhear o livro antes de comprá-lo, as ilustrações do mesmo prenderam minha atenção. Ainda que eu não tenha o hábito de ler romances ilustrados – por acreditar que limitam nossa criatividade ao imaginar as cenas contadas – a arte de Maira Kalman nas mudanças de capítulo, é complemento indispensável para o livro. Durante a leitura, as imagens dão vida às emoções que a narração nos permite sentir. 

O livro está na lista dos meus preferidos. Aos apreciadores de romances juvenis, aprovo e recomendo a livro, de escrita informal, descontraída e  ilustrações lindas. E àqueles que evitam livros ultrapassando as cem páginas, uma dica: o tempo é curto quando a leitura é agradável. 

Trecho preferido:

“Eu acabaria com qualquer dia, todos os dias, por essas longas noites com você, e foi o que fiz. Mas é por isso que já estava condenado, bem ali. A gente não podia ter só as noites de magia zumbindo pelos fios. A gente tinha que ter os dias, também, os belos e impacientes dias que estragavam tudo com os cronogramas inevitáveis, os horários obrigatórios que não se cruzavam, os amigos leais que não se gostavam, os absurdos imperdoáveis rasgados da parede independentemente das promessas feitas depois da meia-noite, e foi por isso que a gente acabou."